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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O Feminino


Eu acho que esse é o tipo de assunto que sempre me faz borbulhar de nervoso e quis de fato tirar um tempo para escrever sobre isso, porque até certo ponto ser mulher não deveria ser um problema, já que todo homem e toda mulher é uma estrela. Mas, mesmo em pleno Aeon de Hórus, somos confrontadas com adjetivos pejorativos, uma tendência, mesmo que inconsciente, de sermos julgadas inferiores. Thelema em meu ponto de vista é algo completamente equilibrado no sentido mágicko e filosófico e assim deveria ter sido, exceto por um comentário de Crowley no Liber Aleph:

Eu te conjuro, não importa quão sejas provocado a fazê-lo, nunca digas a Verdade a uma Mulher. Pois isto é aquilo que está escrito: Não atires tuas Pérolas aos Porcos, para que eles não se voltem contra ti e te despedacem. Vê, na Natureza da Mulher não há Verdade, nem Percepção da Verdade, nem Possibilidade de Verdade; apenas, se tu lhes confias esta Joia, elas imediatamente a usam para tua Perda e Destruição. Mas elas estão [cônscias] de teu Amor pela Verdade, e teu Respeito por esta; por isto elas te tentam, lisonjeando com seus Lábios, para que tu te reveles a elas. E elas fingem falsamente, com todas as Astúcias, e saem à pesca de tua Alma, até que em Amor, ou em Cólera, ou em alguma outra Tolice dessa Alma, tu dizes a Verdade, profanando teu Santuário. Assim foi sempre, e disto Eu chamo como Testemunha Sansão de Tomnath, que se perdeu por este Erro. Agora, para qualquer Mulher qualquer Mentira serve; e não penses em teu Perigo que a Verdade é poderosa, e prevalecerá, como faz com qualquer Homem; pois com uma Mulher, sua inteira Astúcia e Ardil é te persuadir disto, para que tu pronuncies o Segredo da tua Alma, e te tornes Presa dela. Mas enquanto tu a nutres com sua própria Comida de Falsidade, tu estás seguro.” – Aleister Crowley, Liber Aleph.

Isso pode ser dito por muitos motivos, acompanhando o diário de Frater Achad, algumas vezes ele teve problemas em suas práticas por causa de interrupções de sua esposa, o que poderia ter sido um motivo para que Crowley dissesse algo como isso, não apaziguando a coisa toda, logo que a afirmativa é extremamente forte, de uma enorme falta de senso, dizer que a mulher é totalmente incapaz e débil em compreender a verdade. Mas, ainda assim, isso não faz nenhum sentido, se no livro da lei é dito que todo homem e toda mulher é uma estrela, isso significa que em termos mágico-filosóficos nós somos iguais independente de nosso sexo. Eu acredito profundamente que a natureza do universo, por meio de sua comunicação simbólica, tentou proteger as mulheres de falácias como essa. Se dermos um passeio pela mitologia de todos os povos, encontraremos o sol como um ser ou deus masculino, exceto pela mitologia nórdica, onde o Sol, Sunna, é uma deusa e não um deus. Não existem erros na natureza, mesmo na natureza psíquica ou no inconsciente coletivo como um todo e acredito e defendo piamente, que Sunna é uma prova da lei que diz que todo homem e toda mulher é uma estrela.

A ciência e a psicologia veio compreender a nossa androginia, independente do nosso órgão genital, estudos comprovaram que o cérebro tanto do homem quanto da mulher é masculino e feminino, e tentaram usar desse paradigma para compreender o homossexualismo. Jung falou muito claramente sobre Animus e Anima, nossa contraparte feminina para homens e masculina para as mulheres e como o não desenvolvimento desse arquétipo pode nos influenciar como um todo de forma altamente prejudicial em termos do equilíbrio da psique.

Como Thelemita, procurei ir a fundo nesse tema, tentando responder para mim mesma porque isso me incomoda tão profundamente. Está certo que não foi muito agradável ouvir de determinadas pessoas de minha própria linhagem que minha “reação era emocional e que isso se dava pelo fato de ser mulher” (?!), quando obviamente se me conhecesse como realmente sou ou se fosse um homem em meu lugar, a questão seria conduzida de outra forma e não me culpando pelo fato de ter uma vagina. Mas, vejo essa concepção algo mais cultural do que verdadeiro. Logo que acredito que o Aeon de Hórus veio para nos libertar de uma escravidão e serventia que foi imposta para mulheres desde milhares de anos. E não me admiro de ver as verdades sobre essa cultura, onde um homem ainda é mais bem pago do que uma mulher, ou mesmo políticos brasileiros incitando a discriminação afirmando que um empresário tem o direito de não admitir uma mulher, porque ela pode engravidar durante o emprego e ele ter que perder dinheiro por causa disso, logo que a constituição dá o direito à mulher de ficar alguns meses em casa para se recuperar do parto. Não sei se essa revolução feminista foi realmente algo de se orgulhar, como ter direito ao trabalho, ao voto e ao estudo, pois que embora isso tenha sim sido magnífico, a mulher se vê numa carga de trabalho ainda maior, logo que além de profissional ela tem de ser mãe, administrar a casa, criar os filhos e caminhar à sombra dos resquícios culturais do Aeon anterior. E no fim do dia dizer para si mesma que tem de provar o seu valor e sua razão. 

Esse Aeon ainda é uma criança e por isso ainda estamos suscetíveis a viver à sombra do Velho Aeon, mas particularmente, numa filosofia onde Nuit e Babalon são exaltadas e a busca pela nossa própria natureza é o centro de nosso culto, tal influência cultural tornam irmãos tão cegos ao fato de que TODO HOMEM E TODA MULHER É UMA ESTRELA, que me admira ter que escrever sobre isso. Sim, existe Rá, existe Hélio, Apolo, Baldr, Hórus, mas também existe Sunna e isso com certeza não foi uma ausência de compreensão ou loucuras de povos “bárbaros”, mas um modo que a natureza encontrou para afirmar esta lei.  Não é apenas uma questão de ser emocionalmente tomada e agir indiscriminadamente sem qualquer tipo de reflexão, mas uma constatação de que o Feminino está tão ferido, que depende tanto de homens quanto de mulheres para curar tais feridas.

Neste século, os Mistérios Ocidentais produziram professoras como Dion Fortune, Ann Davies, Phyllis Seckler, Melita Denning, e outras menos conhecidas mulheres cheias de sabedoria, entendimento, compaixão, força e luz. Em princípio, estes mistérios há muito tempo “suportavam a admissão de ambos os sexos, para a nossa Ordem, em uma perfeita igualdade”, mas que “a igualdade perfeita” raramente tem sido perfeita na prática. Talvez a nossa pequena decisão editorial e estas observações presentes abriram as portas um pouco mais. Não adianta falar e escrever sobre magia, se não usarmos as nossas palavras, bem como, na verdade, para realizar magia – na verdade para curar, livremente, a nós mesmos e ao nosso mundo.” – James Eshelman.

Dado ao delicado ponto deste ensaio ouso dizer que embora seja entendido que tais conquistas devem ser conquistada por cada mulher, também é de extremo significado a conscientização do homem sobre sua própria Anima, ou a mulher dentro dele mesmo, que assim como nós precisa ser curada. Como Eshelman disse: “As imagens mentais que nós formulamos e mantemos definem os parâmetros do nosso mundo e de nossas ações, pensamentos, sentimentos e fala nesse mundo. Somente através da inclusão verbal explícita das mulheres em nossa visão de mundo que podemos curar dentro de cada um de nós individualmente, e todos nós coletivamente, a indiferença, se não a supressão pura e simples, do feminino.”.


Amor é a lei.